In the echo of protests in Portugal this last weekend (15/09), memories and possibilities from the past reappear, take on physical form, masks to reassume and modify for a utopian politics of the present. The testimony/intervention of Robert Kramer with Scenes from the class struggle in Portugal in the events inaugurated by the 25th of April find their complement in the extraordinary work of Rui Simões, Bom Povo Português (released 1981, but filmed between April 25, 1974 and November 25, 1975)). Unfortunately, the film is only available in its original language, without subtitles. But even aesthetically, it merits viewing, for it is very often strikingly beautiful.
“The film seeks to trace the history from the 25th of April 1974 to the 25th of November 1975, as it was felt by the crew, that during this process, was simultaneously spectator, actor, participante, but above all, found itself totally committed to the revolutionary process underway.”
Rui Simões
Film and a reflection on the film follows in portuguese …
Pedro Neves de Carvalho Santos.
Fragmentos de “A intervenção da imagem: encanto e desencanto dos documentaristas da Revolução de Abril (1974-1980)”1
“De algum modo, Bom Povo Português, é o requiem, o luto da Revolução, um último olhar, já fantasmagórico mas ainda não cínico, sobre o enorme grito e movimento que nos atravessou de Abril a Novembro.”2
Rui Simões começou a rodar esta película em 1977. Três anos depois foi finalizado o filme que marcou definitivamente a história dos documentários do período revolucionário: Bom Povo Português. Este documentário, onde “o sonho perdido tornou-se uma referência mitológica”,3 é um filme impulsionado por uma única mola: a indignação.4
Para Eduardo Prado Coelho, se, de um lado, existem os “momentos míticos do 25 de Abril, filmados em câmara lenta”, do outro passa a “estridencia desagradável (a música contribui para isso) da realidade política em que o 25 de Abril desemboca”. Segundo o mesmo autor, existe uma dialéctica representativa de acções:”de um lado, o povo, com os seus lamentos, os seus gestos exaltados, os seus cantos”, e, do doutro, “os documentos do poder. O filme é, acima de tudo, uma imagem dessa irredutibilidade.”5
Rui Simões assume o comprometimento da equipa que rodou o documentário com o próprio processo revolucionário: “O filme procura traçar a história entre o 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975, tal como ela foi sentida pela equipa que, ao longo deste processo, foi ao mesmo tempo espectador, actor, participante, mas que, sobretudo, se encontrava totalmente comprometida com o processo revolucionário em curso.”6
Comprometimento, participação, duas palavras assumidas pelo realizador e restante equipa que concretizaram aquele que é, provavelmente, o documentário mais completo sobre a revolução dos cravos. Assume-se a subjectividade da acção, a parcialidade das imagens e da narração. “Deus, Pátria, Autoridade, era talvez um filme conscientemente preso no ideológico. Bom Povo Português vai entender o 25 de Abril, em dois níveis convergentes, o da poesia e o da antropologia.”7
Para Jorge Leitão Ramos, o olhar sobre os acontecimentos que atravessaram o período revolucionário entre Abril de 74 e Novembro de 75, situa-se no interior dos acontecimentos, “não como simples testemunha, mas como companheiro”. Para Ramos, a acção magoada do filme “ousa olhar de perto as feridas e as perplexidades”, não usando um discurso analítico que trouxesse explicações, “no sentido de descobrir factos que lhe permitissem arquitectar teorias: “Não demasiado perto, ainda não suficientemente longe dos anos da Revolução, racional e emotivamente, este é um filme cheio de dúvidas salutares, um bom pretexto para pensar o tempo que fizemos. Encerrar uma porta sem cadáveres no armário ou na consciência. Para partir, de novo.”8
(…)
O registo de Bom Povo Português, manter-se-á poético até ao fim. Contestatário, quando o momento o impõe, didáctico, quando se propõe explicar as acções. Todavia, este documentário é, acima de tudo, uma reflexão poética sobre a história, oferecendo novas leituras, assumindo a subjectividade da análise, do pensamento, da acção do homem, enfim, do 25 de Abril. “Rui Simões em Bom Povo Português soube respeitar a objectividade da história e ao mesmo tempo indagar sobre o espaço criativo da subjectividade individual e colectiva. No trabalho sobre as imagens e os sons, os documentos e as reportagens, do período entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro, o filme surpreende quando nos mostra a imagem mais repressiva dos acontecimentos que vivemos ou nos descobre novas leituras decompondo as relações entre imagens, ou entre as imagens e sons, ou seu ritmo, sem contudo se deixar descolar do contexto histórico. Bom Povo Português é assim, sem deixar de ser político, essencialmente um filme poético, o que o próprio texto vai sublinhar. Por isso também, o filme como reportagem se aproxima do povo da sua verdadeira imagem, dos seus verdadeiros rostos e dos ritos tornados verdadeiramente seus, e não do povo mitificado que o discurso político com enganadora facilidade incorpora.”9
Bom Povo Português é um filme de poesia. Da poesia de um povo errante que não sabe fechar o passado nem construir o futuro. Há pouco encanto, muito mais desencanto, nomeadamente, quando a revolução caminha, a passos rápidos, para o fim. É um documentário sobre um país que tem vivido, há centenas de anos, “em estado de projecto”, em constantes contradições, em gestos resignados, em sonhos que não se conseguiram agarrar. Para Prado Coelho, dado o ponto de vista de esquerda em se coloca o seu autor, “o objecto do seu filme era, na realidade, uma derrota – bem sublinha, aliás, pela excelente ideia final de colocar Otelo, o derrotado, a ver na televisão a imagem de Eanes, o vencedor.”10
“Rui Simões faz, com Bom Povo Português, não só uma viagem ao período revolucionário desses anos, como, sobretudo, um canto longo e triste às esperanças, sonhos e falhanços então vividos. Pode dizer-se que, com ele, terminaram os ‘filmes de Abril.”11
Bom Povo Português é um documentário cheio de vozes e imagens profundamente desencantadas. Mas, mais do que isso, são as interrogações, as metáforas, os movimentos colectivos, as crenças populares, os momentos em que tudo poderia mudar, a dúvida do futuro que atravessam o filme. Bom Povo Portuguêsé, provavelmente, o mais completo filme sobre o processo revolucionário e a Revolução Portuguesa, onde as incertezas são muito mais do que as certezas e onde tanto o texto como a voz do narrador, José Mário Branco, aparecem sob a forma poética de uma reflexão comprometida e desalentada com o rumo dos acontecimentos e, sobretudo, com um destino incerto de um povo que está sempre por cumprir. Apetece voltar a dizer: “É preciso que tudo mude para que tudo fique na mesma.”12
“Depois de viver o que vivemos em Portugal e também por olhar com uma certa distanciação pelo facto de ter estado ausente quase dez anos, fez com que lutasse para fazer um filme onde mostro a possibilidade de haver encanto mas com a certeza precoce do desencanto. Quando começo a montar o Bom Povo Português já era difícil acreditar em revoluções deste tipo.”13
Bom Povo Português estreou em Lisboa e Porto e teve uma carreira comercial conturbada. Logo ao fim das três primeiras semanas de projecção em Lisboa, numa das salas Quarteto com sessões lotadas, é boicotado pela exibidor que se recusa a continuar a exibir o filme apesar das receitas. “É um filme vítima da censura moderna, da censura das democracias. No entanto, faz uma carreira internacional nos principais festivais assim como ganha prémios e recebe o aplauso da crítica nacional e internacional.”14
O filme foi distribuído comercialmente no Brasil, onde também passa na televisão, estreia comercialmente nos EUA no circuito das universidades, acompanhado pelo próprio Rui Simões que organiza «workshops» e debates com o público.
1 Disertação de Mestrado em Cultura e Comunicação. Variante Documentá-
rio, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2006.
2 RAMOS, Jorge Leitão, 1995 – Os Anos do Cinema, Lisboa, Expresso.
3 TORRES, António Roma in Para Além do Lamento in Dossier de imprensa
do Filme de Setembro de 1980 cit in MADEIRA (org.), 1999: 58.
4 COELHO, Eduardo Prado, 1983 – Vinte anos de cinema português (1962-
1982), Lisboa, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa.
5 COELHO, 1983: 115
6 In http://www.realficcao.com/html/Filmes/cinema/Bompovo.html, consultado em 09/06/06.
7 TORRES, 1998: 58.
8 RAMOS, 1989: 54
9 TORRES, António Roma, 1980 – Para Além do Lamento in Dossier de
Imprensa do filme, Setembro de 1980, cit in MADEIRA (org.), 1999: 58.
10 COELHO, 1983: 115.
11 RAMOS, 1989: 54.
12 Giuseppe Lampedusa, in O Leopardo, 1963.
13 Rui Simões, em entrevista concedida em Junho de 2006
14 Rui Simões, em entrevista concedida em Junho de 2006
From O Cineclube de Compostela
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